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* Por Renata Martins Belmonte e Lucas Boarin Pace
O Supremo Tribunal Federal decidiu, nos últimos dias, que é constitucional a apreensão de CNH e passaporte de devedores. O julgado ganhou as manchetes dos jornais, causando verdadeiro alvoroço sobre o tema. Mas é preciso explicar a extensão e os efeitos dessa decisão.
É importante esclarecer, primeiro, que para que um devedor chegue a ter o seu passaporte apreendido, é necessário que haja um processo judicial. Isso porque, apenas o juiz pode determinar a apreensão do passaporte ou CNH de um devedor. Logo, as dívidas não ajuizadas, não farão com que o devedor tenha seus documentos apreendido.
Além disso, é importante esclarecer que as medidas de apreensão de documentos são medidas coercitivas, logo, elas não são tomadas logo no início do processo.
Isso porque, vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da menor onerosidade da execução ou, como é conhecido por alguns, o princípio da menor gravosidade ao executado. Esse princípio, que está materializado no Código de Processo Civil, no artigo 805, prevê que “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.
Trocando em miúdos, antes de sair apreendendo qualquer documento, o magistrado determinará outras medidas que não sejam coercitivas, como a penhora de dinheiro, por exemplo.
Assim, antes de o credor chegar a pedir a apreensão do passaporte ou CNH do devedor, ele percorrerá todo um caminho durante o processo. Entendemos, desse modo, que as medidas coercitivas, apesar de constitucionais, seguem sendo exceção dentro do processo. Portanto, o credor só conseguirá o deferimento de uma medida coercitiva como a que estamos tratando aqui, se provar que todos os outros meios de satisfazer o seu crédito se esgotaram. E o ônus dessa prova compete ao credor.
Cabe a quem busca receber o crédito, saber o correto caminho a seguir no processo, para que, se frustrada sua execução, possa pleitear medidas de apreensão de documentos. O credor deverá desenhar uma linha do tempo, demonstrando todas as pesquisas feitas e seus resultados, para que o magistrado possa concluir que, de fato, somente restam essas medidas para tentar compelir o devedor a adimplir o crédito.
Somente após exaurir todas as tentativas é que o credor poderá, com base no artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, requerer medidas coercitivas como as aqui tratadas.
Veja que, segundo o texto da lei, o juiz dirigirá o processo, para “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Com base nesse artigo, os credores poderão pedir a apreensão dos documentos, pois o texto da lei deixa claro que é possível a concessão de medidas coercitivas, inclusive, nas ações cujo objeto seja o recebimento de valores.
Há que se perguntar, portanto, por qual motivo o assunto chegou a Suprema Corte, se o texto da lei é claro em autorizar esse tipo de medida. Ocorre que, apesar do texto mencionar “medidas coercitivas”, em momento algum, descreve quais medidas seriam essas.
Os devedores defendiam que a apreensão de passaporte ou CNH era uma medida coercitiva inconstitucional, pois ela feria o direito de ir e vir, que é um direito fundamental, que encontra guarida na Constituição Federal, além de ser assegurado pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU.
Assim, com base nesse fundamento, e por se tratar de um direito fundamental previsto na Constituição Federal, a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal. (Continua).
Foto: Felipe Sampaio – SCO/STF